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quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Hoje eu consegui sorrir.
Por algumas horas, me senti quase humanizada novamente.
Em relação a todos os meses que a fio se passaram coerentes com a minha total isolação do mundo externo, nem um fio de sentimento concreto se passou por aqui, no meu córtex esquerdo cerebral.
Hoje eu consegui sorrir!
E tamanha foi a surpresa que nem parei pra pensar na probabilidade que junto à dilatação dos meus músculos faciais, o mesmo efeito poderia surtir a respeito daquela coisa contraída aqui no peito, aquela coisa que soava abstrata, surreal.
Fotografias, móveis brancos e cortinas finas. Definição da saudade, concretização de que a probabilidade era enorme e não falhou.
Vi o sorriso de uma, e senti saudades de outra.
Apanhei nos braços uma moça, e senti seus braços e sua voz e sua lama e sua desgraça.
A poeira, o fim, a partida, a despedida boçal, a abismal diferença dos dias em que era você nos meus braços e não outra moça.
...
Eu tinha esquecido o quanto era bom sorrir, mas também tinha esquecido o quão ruim é ser humana.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A respeito das coisas que eu perdi

Quem nunca se desesperou ao vasculhar os bolsos da jaqueta ou o fundo da bolsa de pano e perceber que as chaves da sua casa não estavam mais lá?
Quem nunca bravejou ao erguer os olhos para o muro de cimento -ou de tijolinhos vazados- ao pensar que teria que escala-lo, sabendo que isto lhe renderia um esfolamento nos joelhos ou na palma da mão?
As chaves deveriam estar ali, e não estavam mais. Elas haviam se perdido no meio de algum caminho e agora você não pode entrar no seu próprio lar.
Isso é tão doloroso quanto soa ser dentro da minha mente ou dos meus bolsos?
Aquela nota de cem reais que você trabalhou duro pra conseguir e percebeu que colocara na carteira rasgada?
E sobre aquela arquitetura ou projeto de plano que você perdeu o desenho dos alicerces? 
Quando as estruturas parecem bambas e você sabe que podem vir a ruir mas prefere acreditar que não....

Das coisas que perdi, das mais fúteis até as mais relevantes, do sono à capacidade de sonhar.
Das chaves de casa ao celular, o beijo da moça bonita ao amor próprio.
Do peso e do cabelo, das aulas e das noites em claro, da luz da tevê ao seu livro preferido que ficou numa estação de metrô.
Da infância, do pai, até aquele casamento que não deu certo.
Só quem perdeu um irmão, um melhor amigo ou um filho.. Só quem prefere acordar depois que o sol se põe e perde o anil do céu e as nuvens que se transformam lentamente em elefantes ou xícaras de café.
Só quem sabe que as cinco da tarde a fumaça do cigarro fica mais densa num gramado qualquer, quem sabe a dor de se sentir inútil, incompetente, maleável, sórdido, torpe, drogado.
Quem sabe como fica áspera a garganta depois de um porre de conhaque barato, e aquela viagem que você planeja a dois anos e nunca nem foi até o cachê da rodoviária.
Só quem já perdeu a vida por alguns segundos e segundos cronológicos depois perdeu tudo que havia nela. Só quem não tem mais capacidade de rir do logotipo de um energético ou da apresentadora de tevê.
Só quem ficou ranzinza e pintou as paredes da vida de cinza...
São estes que entendem a dor de perder as chaves de casa.