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segunda-feira, 15 de abril de 2013

Carolina.

Carolina, nos seus olhos fundos guarda tanta dor, a dor de todo esse mundo...
Eu já lhe expliquei, que não vai dar, seu pranto não vai nada ajudar.
Eu já convidei para dançar, é hora, já sei, de aproveitar,
Lá fora, amor, uma rosa nasceu, todo mundo sambou, uma estrela caiu
Eu bem que mostrei sorrindo, pela janela, ah que lindo
Mas Carolina não viu...
Carolina, nos seus olhos tristes, guarda tanto amor, o amor que já não existe,
Eu bem que avisei, vai acabar, de tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar, agora não sei como explicar
Lá fora, amor, uma rosa morreu, uma festa acabou, nosso barco partiu
Eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela e só Carolina não viu.


-Chico Buarque.

domingo, 14 de abril de 2013

pegar o trem

Desaprendi a ver o futuro. Tirei da cabeça aquele negócio abstrato de "janelas azuis, geladeira vermelha". Não consigo mais adivinhar nada nem ninguém, não consigo mais nem pensar além, não tenho coragem pra deduzir e nem ânimo pra torcer, a fé se foi, como vai embora a fumaça desse cigarro lazarento que não consigo terminar de fumar e também não consigo jogar fora.
Antes eu sabia tantas coisas sobre o futuro. Sabia o que eu queria saber, sabia que nota ia tirar na prova, sabia o que vestir nome dos meus filhos, a cor da camisa da pessoa que se deitaria do meu lado pra dormir, Hoje, tudo que eu sei sobre o futuro é que o relógio vai incomodar de manhã, e talvez nem me acordar, apenas perturbar, apenas lembrar que a vida continua (infelizmente, continua!) e segue cor de nada, tropeça nas estrelas que não brilham, cospe nos livros que não li, nem vou ler. O relógio toca pra me lembrar que a vida vai continuar sem tempeiro nenhum, carne crua e sangrenta, vida com aspecto de carne viva, igualzinha a pele dos meus braços, na última crise, pirei de forma grossa, violentei a mim mesma até sangrar tudo que deveria, pra me certificar de que ainda vivia. E depois, briguei com dois, descontei minha raiva em um filho da puta qualquer.
Eu nunca vou achar uma geladeira vermelha pra comprar. Minha casa não vai ser branca e minhas janelas não vão ser azuis. Penso mais é que vou acabar rodeada de móveis de ferro frio, geladeira de inox, tela na janela que é pra não me atirar do sétimo andar do prédio que fica em um condomínio vil, que é pra não arrebentar minha cabeça no chão, sentir esse cérebro morrer.... Deus queira que isso não aconteça HAHAHAHAHAH Deus não quer nada, deus não existe, e pular do sétimo andar não me parece tão assustador.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Origens

Eu a amava e não era o amor que os homens sentem pelas mulheres, nem o qual as mulheres sentem por outras mulheres, nada do tipo. Eu a amava da forma única, confusa e totalmente pura que as crianças tem de amar. Não me lembro de seu nome, mas me lembro da cor dele: era dourado. Dourado como a cor dos seus cabelos, que ao contrário das outras garotas que ali cavalgam, não chicoteava-lhe as costas de forma bruta, o cabelo a beijava dorsalmente, até o lombo. O vento lambia os micro-pelos de seus braços, dourados, também. O seio era firme, dançava de acordo com os trotes, mas sempre firmes.
Abaixo dos olhos azuis, o rosto era queimado, rosado. Apesar do sol forte e da proteção quase inexistente (apenas pelo chapeu de couro esverdeado) sua pele não era judiada pelo tempo, era jovem, era doce, eu ainda não sabia adivinhar a idade das pessoas, mas sabia que ela era gente grande, gente que eu queria ser, e pedia inflada de esperança e quente pela timidez, eu pedia estentendo os braços::: Me leva contigo!
Logo, ela estava sorrindo, descendo do cavalo sem nenhuma dificuldade, e no cavalo me acomodava dizendo: segura forte, menina.
E quando galopávamos, eu me sentia a pessoa mais importante do mundo.
Meu cabelo era quase da cor do dela, e os dois se misturavam quando o por do sol chegava, e quando voltávamos para a casinha da fazenda, cobertas de poeira, ela desabotoava as botinhas de couro surrado, se despedia de mim com um sorriso.
Todos se ajeitavam para dormir logo quando a noite caía, exeto os homens, que bebiam uma água que me ardia os olhos, e jogavam cartas, e eu logo escapava pela porta de madeira azul da cozinha e ia me acomodar no colo de meu pai, que adorava exibir a beleza infantil da filha miúda.
Eu, atenta, olhava as cartas sendo violentamente jogadas na mesa redonda um pouco manca. Com um dedo na boca, me lembro de observar as rugas que se formavam no rosto de meu pai, toda vez que sorria, e como sorria! De repente eu queria ser homem também. Queria fazer xixi em pé também. Queria saber jogar truco e falar de futebol. Oh, meu pai ficava tão feliz no mato. Bicho-do-mato, bicho desletrado, bicho açoitado pela vida e um pouco chucro, um pouco doce, um pouco Homem, bastante bicho.
Depois, quando o meu pai me enxotava de lá, provavelmente quando os assuntos de homem-bicho começavam a surgir, eu ia me enrolar nos caracóis de minha mãe, que dormia um sono mal dormido, mãezinha nunca fora bicho do mato, não. Detestava ter de tomar leite recém retirado da vaca, e eu, me sentia na obrigação de imita-la, torcia o nariz e não tomava o leite. Tomava então o café coado no pano, torcendo a lingua, mas fingindo gostar. Depois, ia me sentar junto aos livros da mamãe, e sozinha, ia aprendendo a juntar as palavras, e fazia isso até a garota dos cavalos acordar. Quando ela acordava, eu queria ser mulher de novo!
O tempo passou, acabei seguindo muito minha mãe, que nem sempre me sorriu como meu pai sorria. Mas por obrigação, tomei café, li mais de cem livros, escrevi diários, não cavalguei mais. Aprendi a odiar futebol, e acabei odiando o pobre bicho que é meu pai.
Mas ora ou outra ainda acabo amando uma loira aqui, e tomando uma pinga por ali.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

seca

Não me falta inspiraçã, me falta conexão.
Não me falta saúde, me falta convicção.
Não me faltam cores, me faltam pincéis.
Não me falta o sol, me falta a luz.
Não me falta nada, o problema é tudo.
Não me falta amor...... Na verdade, falta sim.
Mas não me faz falta.

Fulana de tal

Beijo no rosto.
Beijo, daqueles de encostar a bochecha marginalmente.
Beijo ráipido e defensivois,, na obrigação imposta pelos malditos grupinhos que se colocam em forma de circunferência e tem que ser dado no rosto de cada membro da roda ridícula e fútil que cheira a hormônio adolescente.
Beijo no rosto, como velhas amigas, as que nunca fomos, portanto, cumprimento como qualquer conhecida, como se você tivesse mudado seu nome drasticamente para "fulana de tal". Um tal qualquer, como se seus sobrenomes fossem incógnitas, como se eu nunca, jamais, tivesse me entretido antes com a simetria dos seus últimos nomes.
Fulana-de-tal. Menos minha. Fulana de qualquer um, fulana de ninguém, nem de si mesma.
Beijo no rosto, como quem desconhece o gosto dos lábios e distância imediata, desnorteamento dos olhos, como se nossos corpos nunca estivessem tão proximos a ponto de reconhecer a respiração alheia e os teus batimentos descompassados cardiácos. Como se nossos olhos nunca estivessem sido colocados numa só reta, formando uma tangente exata.
Pisei na sua garganta sem querer, te tirei a respiração acidentalmente, mas eu já perdi perdão, já me castiguei por obrigação própria, mas olha só: Meu tênis nem deixou marca alguma, meu beijo então, aposto que nem lembra o gosto. Você nem ao menos sentiu, beijava por beijar, como fazemos em baladas medíocres, com mulheres medíocres.
Perdoa-me, então, por não ter pisado com mais força. Perdoa-me, porque minha brasa não esteve o suficientemente aquecida para te marcar.
Te mato em meus sonhos todas as noites, te estrangulo com as minhas próprias mãos, mas apesar de tudo, demônio, te amo.