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sábado, 5 de setembro de 2015

Crise

Eu olho dentro dos meus olhos lá no espelho no canto do quarto e vejo que alguns anos se passaram.
Me vejo aos 20, me quero aos 15, me vejo aos 10 anos de idade.
Crise existencial:
Até aqui me deixei ser arrastada por você.
Mas só até aqui.
Acontece que a gente cresce e os ossos pesam tanto que a crise deixa de ser capaz de nos arrastar e de vez em quando a gente é que acaba carregando uma ou outra veneta disfarçada de insegurança ou dúvida.
Até que a crise cede seu lugar ao vazio, que é trinta e sete mil vezes pior.
Dentre todas as incontáveis responsabilidades sociais que carregamos a partir do décimo oitavo aniversário, hoje eu só queria falar sobre sentir o sangue correr nas veias.
Aquele sangue inconsequente e entorpecido que avança todos os sinais vermelhos no trânsito interno de cada um, e que corre e corre sem muito medo da morte, aquele sangue que desafia cada limite, que debocha de cada ocorrência e ri da cara de qualquer consequência.
Dessa vez eu não estou falando sobre os porres que eventualmente eu levava por aí e acordava sem me lembrar de muita coisa. E tão pouco me refiro aos emocionantes furtos aos supermercados da cidade.
Eu falo sobre a entrega, a inconsequente entrega à outro ser.
Acontece que ao me ver andando por aí durante o dia, e concordando com a cabeça, tentando sorrir com os olhos... Dificilmente alguém diria que eu ja chorei feito viúva.
E são nessas noites pálidas consequentes de dias mornos e sutis que eu acabo me sentindo um pouco ridícula, um pouco idiota por não conseguir ser ridícula de paixão.
Maturidade emocional é o inferno na terra.
Prefiro tantas vezes o caos do que o nada!
E nada me tira da cabeça aqueles dias adolescentes em que eu era perfeitamente capaz de me apaixonar perdidamente, desesperadamente, aqueles dias aos quinze ou dezesseis anos de idade em que eu estava absolutamente ciente da dor que viria, e mesmo assim, me abria, lambia a ferida, desfalecia de prazer.
Eu sinto falta de ter alguém por quem chorar de amores e por quem correr uma avenida inteira num frio que castigava o corpo mas aquecia a alma porque no fundo, amava.
Amava o sentimento de poder dar tudo de mim, e cair, depois levantar com os joelhos esfolados e completamente amortecida de paixão.
Sinto falta de ter coragem pra arrumar uma briga sem muito sentido, de armar teatro em frente de bar, quebrar garrafa no balcão e saber que depois de tudo, ainda amava.
E talvez não fosse amor. Não, nada era maduro ou fazia sentido. Mas não precisava fazer, eu só queria ter energias para outra entrega.
Acontece que o desgaste sempre vem.
Você cai aqui, levanta ali. Mais algumas cartas são queimadas, umas juras são desfeitas e você faz tudo de novo e de novo e de novo até que o pavio se acaba. Você espera uma explosão, mas só tem silêncio.
E esse silêncio mata e enterra. Ainda reza um terço e leva flores.
A paixão morreu. Ninguém mais se importa e de todos os amores eternos, você simplesmente se esqueceu.

Gasolina

Seus cabelos dourados
Meus punhos serrados
O tom da sua voz: amadeirado
Seu cheiro é lento
E seus dedos: dentro.
Seus olhos são quentes
são só nuances da gente
Na neblina fria desse Agosto
Que todo dia mente.

Antes da semana que vem

Você partiu antes do que eu esperava
Enquanto eu abria as cortinas da casa e deixava o sol entrar de manhã
Você saiu pela porta dos fundos
Deixando apenas algumas pegadas irregulares pelo tapete
Você é uma galáxia inteira quando todos são ilhas
E dentro dos seus olhos eu vejo dois imensos universos nebulosos.
Na mesa do bar eu sou apenas um coração acelerado, atenta para a entrada dessa espelunca onde afogo meus excessos tomando cerveja à golpes, sabendo que você não vem, e mesmo assim, esperando.
Eu estou bem, é o que dizem.
Enquanto caminho até a porta de madeira vagabunda do banheiro cretino lá no cantinho do bar, alguns olhos me seguem. Uns torcendo para eu estar bem, outros, nem tanto.
Ouvi alguns conselhos sobre isso e os vomitei todos nos curtos e inertes minutos perdidos entre os rabiscos de canetas e batom da parede na cabine.
Estou olhando para as minhas mãos, muito mal cuidadas, mas ainda assim é possível lembrar da semana passada quando você estava nesse mesmo lugar, e decidiu me ligar e me fez sair correndo por aí, esquecendo de mim mesma, tropeçando nas idéias absurdas, e segurava forte a minha mão, dizendo que gostava muito de mim, gostava pra caralho, e eu acreditando em cada palavra cuspida no vidro do carro, no frio de agosto, na noite pálida.
E eu acreditava
Porque queria que fosse verdade
E Você gritava
Porque queria que fosse verdade
Nos beijamos e não existia maldade. Não existia mais nada
O seus dedos cheiravam à cigarro e lágrima.
E seus cabelos cheiravam à poesia e shampoo.
Senti vontade de vestir seu corpo e existir um pouco dentro de ti.
Guardei sua voz: "gosto de você, gosto de você menina..."
Esqueci de prestar atenção no restante, onde logo em seguida você desmentia, usando um pouco do seu charme bêbado, e eu não me importava em sofrer naquele momento. Eu só queria participar. Eu só queria existir para você.

Telefonema

Você diz que vai embora na semana que vem.
Eu fecho os olhos e digo que tenha cuidado pelo caminho, vá com Deus, tá tudo bem.
No fundo dos meus olhos tem dois poços vertendo saudade antecipada.

"Você tá triste?"
"Não, deixa disso, que bobagem! Não é nada."

Enquanto meu riso é fácil, na garganta um nó apertado e na ponta da língua as palavras são abreviadas.
Não quero dormir pra não ter que te esquecer.
Não quero sumir, não quero perder você.
Me guarda como um lenço dentro do bolso da sua jaqueta de couro
Me transforma numa dobradura de papel, ou num fio desse teu cabelo louro.
Me conta um segredo, me liga pra contar que cortou o dedo.
Só não esquece de mim.

Você diz que precisa dormir mas não quer desligar
Eu sinto muito que o tempo tenha mesmo que passar
E o relógio segue sua marcha binária sem pena ou qualquer consideração.
Cada minuto à menos é outro a mais... (Eu falo de solidão)
Então, eu estou te expulsando da minha vida.
Até amanhã.

domingo, 2 de agosto de 2015

Agosto. Te gosto.

É Domingo. Os ventos lá fora rasgam as cortinas que os calendários costumam usar em suas 29 ou 30, talvez 31 janelinhas miúdas com luzes pouco esclarecedoras que tentam arduamente aquecer o frio que vem fazendo nos últimos tempos.
A verdade sobre esses últimos tempos não passa de um ensaio sobre a solidão coletiva que vem congelando cada corpo a cada dia e todo dia eu penso em você. De repente é agosto e eu só queria te contar o quanto te gosto.
Enquanto as pessoas precisam desesperadamente de luzes ofuscando suas almas pequenas, eu preferia me desligar, poder descer dessa roda gigante tediosa e nublada, saber que me esperas no chão firme. Poder pousar os olhos em uma rachadura na terra e estar simplesmente em silêncio ao seu lado, sabendo que  qualquer dia desses, pode nascer uma flor ali.
Não precisa ser mesmo uma flor, flores são clichês, mas precisa ser algo vivo. Algo de verdade, que é pra eu não me esquecer que ainda existe gente como você nesse mundo fodido.
Não precisa ser uma flor, mas tem que ser algo bem bonito.
Ei, só queria te dizer que coisas estupidamente bonitas ainda vão acontecer na sua vida. Talvez amanhã, ou não. Mas quero estar lá para dividir com você todas elas.

domingo, 26 de julho de 2015

Veneno

Me intoxica.
Me injeta arsênico na calma da alma com a ponta dos dedos.
Me dá um sorriso, me dá um motivo.
Me dá um minuto do seu tempo pra escutar uma história de como você coloriu minha vida falida.
Derrama esperança
Escoa na pia a fervura do sangue do pulso que pulsou junto à artéria que é só mais uma avenida que te leva cada vez mais longe.
(Ecoa entre os azulejos azuis do banheiro minha prece desesperada: não desapareça, não desapareça, querida...)
Me dá um toque, um empurrão ou um suspiro. Só não me dá aquele veredicto e aquele olhar de adeus.
Só não me dá as costas.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Apesar dos pesares

Eu sinto tanto a sua falta que os dias que ainda não existiram são recortes.
São apenas colagens dos seus livros num baú no canto do meu quarto insistentemente empoeirado. Perdoa por um minuto. Eu poderia ter me esforçado bem mais. Perdoa pela novela que eu queimei e pelo filme que não vi até o final.
Eu quero escrachar minha solidão na parede das artérias daquele velho coração cansado de bombear o sangue que eu sempre derramo em vão.
Cala por um minuto. Desligue a minha mente, porque eu não consigo parar de insistir naquele impossível tão bonito.
Minha existência corre na contramão e eu sou só uma pessoa desesperadamente perdida. O asfalto ácido brilha na chuva áspera dos meus olhos. Não posso deixar que essas gotas de arsênico toquem sua pele macia.
Não posso mais.
Eu sinto tanta saudade dos dias que não vão existir que o despertador é um recorte. O calendário, o semáforo, a linha do trem. Recortes de franjinhas em tudo que é torto.
E eu que não passo de um ser vil e desorganizado, egoísta até os ossos vivendo de pesar em pesares. Deita aqui um pouco, vá se embora pela manhã, amanhã a gente esquece, bebe, deita com outrém. É que apesar de tudo, demônia, eu te amo.